domingo, 7 de novembro de 2010

Italo Rodrigues Pacheco - Villa Savoye

Italo Rodrigues Pacheco

Villa Savoye – Le Corbusier

“Fazer uma planta é determinar e fixar idéias. É ter tido idéias. É ordenar essas idéias para que elas se tornem inteligíveis, executáveis e comunicáveis... Uma planta é, até certo ponto, um resumo, como um índice analítico dos assuntos. Sob uma forma tão concentrada, onde ela aparece clara como um cristal, como uma figura geométrica, há uma enorme quantidade de idéias e uma intenção motriz.”
Le Corbusier, 1923, Vers Une Architecture


Construída para ser uma casa de fim-de-semana em Poissy, então um arborizado subúrbio de Paris, a Vila Savoye representa o ápice do estilo purista de Le Corbusier dos anos 20. Essas idéias haviam sido publicadas na revista L'Sprit Nouveau e amplamente difundidas no influente livro Vers une Architecture (Por uma arquitetura), publicado em 1923.
A casa de campo de Pierre Savoye, no vale do Sena, foi construída sem limitações de orçamento.

O terreno era um campo localizado fora da cidade, circundado por árvores e com vista para o norte e para o oeste. Le Corbusier pretendia elevar um volume cúbico acima do campo, a geometria do homem pairando acima da geometria da natureza. O problema está no acesso a um volume suspenso.

A forma do bloco da entrada é determinada pelo arco de curvatura mínimo de um carro, com a dinâmica fundamental de um volume curvilíneo tensionado contra um retângulo.
A porta de entrada fica no lado oposto da casa e é alcançada contornando-se um painel curvo de vidro cujo raio foi determinado pela curva feita por um carro modelo Voisin, suscitando aquele tipo de comparação provocativa entre arquitetura e engenharia que Le Corbusier fazia em seus escritos.
A porta fica no meio do painel curvo e somos recepcionados pela rampa que sobe e se dobra, revelando vistas convidativas do terraço, da sala de estar e da paisagem exterior emoldurada pelas janelas em fita.

A sala de estar se abre para o terraço por meio de uma esquadria que vai do piso ao teto, com quase 10 metros de largura, metade da qual desliza lateralmente com o acionamento de uma manivela. O passeio arquitetônico continua a partir do terraço pela rampa e chega, alinhado com o eixo de uma vista enquadrada do Sena, em um "solarium".
Apesar de conter alguma vegetação, o solarium lembra o convés de um navio, uma imagem que Le Corbusier produz por meio do fechamento da escada em forma de chaminé e dos corrimãos de tubos de aço pintados de branco.
Aqui, cercados de formas geométricas, experimentamos aquilo que Le Corbusier denominava “o dom mais puro da arquitetura; o lirismo matemático”.

Embora a ordem arquitetônica estabelecida pela malha de pilares e pelas simetrias latentes evoque as regras do classicismo, esta ordem, no espírito da nova liberdade de projeto, é sempre sensível aos padrões de uso e à presença do observador.



Nota-se, por exemplo, como a rampa é emoldurada por duas linhas de colunas, e não dividida por elas como a malha poderia sugerir, e também, como as colunas são duplicadas para marcar o local de chegada.
Em outras áreas, alguns pilares desaparecem para liberar o espaço ou são ligeiramente deslocados e parcialmente incorporados a uma parede: os pilares soltos são sempre redondos e os incorporados a paredes, quadrados.
Na Vila Savoye, a característica essencialmente modernista da descentralização da composição - marcada pela malha de pilares, reforçada pela disposição dos principais espaços nas margens da composição (como se tivessem sido centrifugados pela rampa) e expressa nas janelas em fita - é utilizada para sugerir um movimento difuso, para o alto e para fora, rumo à paisagem e ao céu, rumo à natureza.

Análise

“Queria lhes falar de minha predileção pelas formas geométricas, pelas simetrias, pelas séries, pela análise combinatória, pelas proporções numéricas, explicar meus escritos em função de minha fidelidade a uma idéia de limite, de medida...”

Assim fala-nos Calvino a respeito de sua proposta de exatidão.
Ao refletir sobre qual seria a obra que me remetesse à idéia de exatidão, confesso que fiquei confuso. Há um universo de construções, obras de arte, projetos que poderiam se “encaixar” nesse conceito. Porém, como a exatidão foi claramente definida em três pontos pelo autor, logo pensei em Le Corbusier, no Modulor e, desta forma, procurei uma obra que pudesse, nitidamente, explicitar esta proposta.
Através de seu discurso Calvino demonstra que a exatidão demanda “um projeto de obra bem definido e calculado”; que através da matematicidade do espaço e do tempo, poder-se-ia confrontar a noção de indefinido e do vago flutuar das sensações. Então nada seria melhor para ilustrar este quadro do que a própria “máquina de morar”.
Vila Savoye, um das obras mais importantes deste arquiteto contém uma gama variada de idéias que vai desde o “mito da vida moderna” até os “reflexos do passado”. Foi concebida através de uma estrutura racional e de formas ideais. O quadrado e o cilindro foram abstraídos e se tornaram “imagens visuais nítidas, incisivas e memoráveis”. Tornando-se, deste modo, um ícone; a síntese de sua teoria para uma nova arquitetura.

“Nessas áreas superiores as fantasias náuticas do artista são sentidas de forma mais evidente, especialmente nas delicadas balaustradas tubulares de navios e no curioso volume curvo que contém o topo da escada. Este é um parente dos demais cilindros da composição; pode-se ver a escada “se desmaterializando” sob ele e por trás de áreas bem sombreadas e de vidraças translúcidas. Assim como em Garches e nos quadros de Le Corbusier, a riqueza do efeito advém da harmonia e semelhança de formas geométricas básicas, do controle de proporções e razões e dos efeitos ilusórios causados por objetos vislumbrados através de camadas de vidro ou de janelas sem molduras sobre as superfícies brancas completamente despojadas” (CURTIS, W.)


O escritor italiano também nos fala que além do rigor matemático, deve-se buscar ultrapassar os limites, admirar os detalhes, pois ele sendo a menor parte do infinito toma importância diante do infinitamente vasto. Desta forma, vimos como os detalhes no trabalho de Le Corbusier foram além da geometrização das formas básicas, pretendendo alcançar o controle dos efeitos visuais. O que poderia ser entendido, analogamente, ao se analisar a proposta de Calvino quando ele nos fala a respeito da minuciosidade da escrita: a tentativa de apuro dos detalhes por meio da descrição.

Bibliografia

CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 1ª Ed. Tradução: Ivo Barroso.

CURTIS, William J. R. Arquitetura Moderna desde 1900. Porto Alegre: Bookman, 2008. 3. Ed. Tradução: Alexandre Salvaterra.




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